quinta-feira, 6 de maio de 2010

Resenha do Livro - Âncoras de Tradição - Por Jamile Coutinho e Vinicius Oliveira

Introdução

   Na ascensão de Vargas ao poder da nação brasileira, a sociedade baiana toma um rumo em defesa de seus interesses políticos e econômicos. O historiador Paulo Santos Silva retrata em seu livro “Âncoras de tradição: luta política, intelectuais e construção do discurso histórico na Bahia (1930-1949)”, uma análise da historiografia baiana baseada nos conflitos de interesse políticos da ameaçada elite local. O livro destina-se à comunidade de estudos da escrita histórica baiana. O autor possui um alto grau de conhecimento no assunto quando analisado que suas últimas obras possuem o mesmo foco de caráter político seja ele nacional ou regional.
   Segundo Silva, a intelectualidade baiana na década de 1930 estava voltada para a vida política. Diante do contexto nacional, havia a necessidade de ênfase nesse tema, visto que eram as vontades da oligarquia local que estavam sendo defendidas. O interesse primordial da elite era que se mantivesse a forma de governo vigente, a oligarquia rural, esta estava sendo duramente atacada pelo governo Vargas, que não queria que a Bahia tivesse autonomia política. Para a defesa de tais interesses, criou-se a Concentração Autonomista da Bahia, que tinha como chapa: “A Bahia ainda é a Bahia”. Este movimento autonomista tinha como objetivo a crítica e oposição ao “estado varguista”.
   As fontes que respaldam o argumento do autor são jornais e revistas da época, assim como outros periódicos surgidos posteriormente, mas que trazem informações sobre o período que viabilizam a reconstituição das atividades políticas e intelectuais dos liberais baianos na figura da elite regional. Podemos citar como exemplo as revistas da sociedade intelectual da época, como: A Revista do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia (RIGHB) e a Revista da Academia de Letras da Bahia (RALB).
   Como cita o autor, os jornais foram empregados como fontes para a reconstituição factual e como local de observação onde se constata a atuante presença dos intelectuais do período. É válida a ressalva que os jornais utilizados como bibliografia eram instrumentos de difusão política, o que deixa as suas informações com caráter de parcialidade informativa, visto que suas contribuições para a obra devem ser rigorosamente analisadas para que se possa discernir o conteúdo apresentado, para não cometer a decidia de uma leitura partidária.
   De acordo com o autor, a historiografia baiana correspondente ao período é débil, por esse motivo, o livro não passa de uma breve análise da sociedade local. Essa apreciação divide-se em três partes: na primeira parte há uma reconstituição do cenário político baiano na década de 1930, e como os grupos dirigentes locais se posicionaram diante disso; na segunda parte, o autor constrói um painel intelectual da época, as escolas, tanto de nível médio, quanto superior, de formação dos seus membros, e as influências destas em toda a história; a terceira parte trata sobre o mesmo tema da primeira, mas sob o ângulo da produção intelectual. O autor mostra como esta produção interferiu no processo político, e como a resistência à hegemonia nacional teve duas vertentes, a militância político-partidária e a produção intelectual historiográfica.

Primeira parte

    Nesta etapa do livro, o autor focaliza seus estudos na estruturação das organizações partidárias no cenário político baiano contra os ideais nacionalistas de Getúlio Vargas. Esta comoção de caráter regionalista é motivada pela inquietude da elite local que teve seus privilégios ameaçados frente à decisão de Vargas em instaurar a política de interventores nos estados brasileiros. Para a Bahia nomeou-se Juraci Magalhães, o ideal desta política, era manter a Bahia sobre constante controle do Estado. Em seu discurso de posse, Juraci afirma:
“(...) que a acolhida que lhe davam na Bahia significava a derrota dos interesses regionalistas e a vitória do sentimento de unidade nacional. Proclamação que procurava não reconhecer a força dos grupos locais e que registrava, por antecipação, uma vitória da nacionalidade sobre a regionalidade.” (p.29)
   Como frente de oposição cria-se a Concentração Autonomista da Bahia. Neste agrupamento, desenvolvem-se alianças políticas entre grupos da elite baiana, que ate então eram rivais, para defender os costumes da tradição política local. O autonomismo baiano detinha como seus defensores  personalidades da política regional: J.J. Seabra, Otávio Mangabeira, João Mangabeira, Nestor Duarte, assim como outros intelectuais politizados. Ao se referir à organização do texto, e o sentido que ele visa apresentar, o autor encontra uma dificuldade que qualquer historiador dedicado a analise dos trâmites políticos se depara, exemplo disso é o retorno excessivo de informações para reconhecimento dos políticos a cada partido ou ideologia que compartilhem.

Segunda Parte

   Nesta passagem do livro, o autor busca demonstrar o caminho percorrido para a formação intelectual politizada, onde os jovens principiantes nesta área tinham poucas opções para começar tal carreira. A Faculdade de Medicina e a Faculdade de Direito eram as principais formadoras de opinião para esses que iniciavam sua jornada rumo à camada dirigente da nação. Com essas instituições, o aluno era enriquecido não só com informações especificas, mas também obtinha conhecimento nas áreas das humanidades e letras, o que favorecia o seu poder de análise crítica diante de diversos temas.  Tais atribuições favoreciam sua melhor qualificação para adentrar ao meio político.
    Aos recém-saídos da comunidade acadêmica era certa a sua entrada no campo jornalístico, para que assim eles pudessem não só demonstrar suas produções intelectuais, assim como iniciar seus contatos políticos. Como comprova o autor:
“Para garantir a subsistência, os intelectuais das décadas iniciais do século XX abrigavam-se no serviço publico, no magistério publico e privado e nas profissões liberais, notadamente médicas e jurídicas, traço que caracterizou o conjunto da vida intelectual do país no período.” (p. 88)
     Para a promoção da sociedade intelectual foram formadas três grandes instituições de estudos aplicados a valorização do estado baiano, podemos citar a Faculdade Livre de Direito da Bahia a qual deu sustentação jurídica a oposição a Vargas;  havia também o Instituto Geográfico e Histórico da Bahia, que se detinha, como cita o autor, na figura da “fábrica da memória local”; e a Academia de Letras da Bahia responsável pelas produções literárias e artísticas de punho critico ao Estado varguista.

Terceira parte

   Trata-se das obras intelectuais dos “grandes homens” baianos. Esses livros marcam a historiografia baiana, descrevendo as resistências ao Estado Novo, através deles depreende-se o sentimento nacionalista que tomava conta da Bahia.
   Observa-se o caráter positivista desta historiografia em diversos aspectos como diz o autor:
“(...) na noção de documentos (escritos de preferência), na narrativa (baseada na sucessão dos acontecimentos), no critério de estabelecimento dos marcos cronológicos (sempre os fatos políticos como referência). Mas o que efetivamente a singulariza (...) é a ausência de problematização, seja quanto as fontes, seja quanto aos temas.”
   As biografias das grandes personalidades políticas baianas que se destacavam no cenário brasileiro eram utilizadas para ressaltar o valor histórico da Bahia, na idéia de se fazer menção aos feitos políticos de cada um desses personagens, era descartado a sua vida pessoal e vangloriado sua participação social. O importante era mencionar o que este homem público contribuiu para a sociedade e reafirmar as suas origens como objeto de orgulho para as demais figuras públicas.
   Há que se destacar também a tentativa de “mudança” do passado, no que diz respeito à época de escravidão na Bahia. Estes autores, afirmavam em seus textos que foi uma convivência pacífica, e que a culpa da má sorte dos africanos era por causa dos traficantes, e não de quem os comprava. Tentavam modificar isso, para não denegrir a imagem baiana diante do cenário político.


Conclusão

   Uma grande observação a ser mencionada é a de que o autor consegue realizar com sucesso o seu principal objetivo, a análise da historiografia baiana no período de 1930-1949. Apesar das contradições da narrativa política, que é uma debilidade que afeta a qualquer texto que se pré-disponha a abordar este tema, o historiador baiano sinaliza muito bem as coligações partidárias e seus interesses. O que é o fator principal para uma interpretação mais clara dos trâmites sejam eles do legislativo ou do executivo na época citada. Para caráter avaliativo, o texto é um perfeito exemplo de como a história pode ser utilizada para proveitos particulares de grupos dominantes.

O mundo carolíngio - A gestação do feudalismo

No período destacado pela autora, Sônia Regina Mendonça, na obra “O mundo Carolíngio”, acompanha-se a construção do sistema feudal desde a decadência do império romano (476 d.C.) e sua gestação no império de Carlos Magno. A falta de fontes regulares de escravos levou a regionalização da economia romana, como forma de racionalizar os estoques de mão-de-obra, os transportes.
Destacam-se neste período da derrocada romana, as invasões bárbaras que motivaram nos centros urbanos a evasão da população.
“A economia ruralizava-se. Ao lado da extensão dos baldios, da redução dos cultivos e do declínio da população, o próprio latifúndio se redefinia. A grande propriedade, por um lado, ampliava a sua extensão às custas dos lotes vizinhos; por outro, absorvia novo tipo de trabalhador, o camponês dependente ou colono. Em seu conjunto ela voltava-se cada vez mais para o auto-consumo.” (Pág. 9).

É válido ressaltar, que o sistema Feudal não surge de forma instantânea no cenário medieval, provém de um lento processo de transformações que ocorreram desde a decadência do Império Romano. Por volta do século V, a Gália foi unificada por Clovis, o que se pode chamar de primeiro estado bárbaro do ocidente cristianizado.
A estrutura deste novo reino se mantinha nos alicerces bárbaros, o poder público e o serviço privado do rei, explicitado por MENDONÇA: “[...] Já o reino, enquanto bem privado do soberano, podia ser disposto por ele segundo a sua vontade, [...].”
Com falecimento do Rei Clóvis, Império Merovíngio, houve a desestruturação do território, fora dividido pelos descendentes em quatro reinos.
Surge no século VIII à ascensão do reino da Austrasia, tal localidade impôs uma nova dinastia, que representada na figura de Carlos Magno inicia o Império Carolíngio. Tal era originaria os fundamentos para a consolidação do sistema feudal. Os Carolíngios impulsionados a centralizar o poder na Europa. Nesta busca pela centralização do império, teve como método a regionalização do poder, adotou-se então a política de vassalagem. Acordo em que o rei, caracterizado na figura de soberano administrava uma rede de vassalos dotados de poderes em suas localidades, normalmente tal benefício era proveniente da posse de terras.
Ao analisar este modelo político podemos chegar ao seguinte consenso: para tal dimensão territorial (Europa) foi necessário descentralizar o poder unificado, em frações territoriais lideradas por vassalos diretos do suserano (rei).
Esta prática viabilizou a esses poderes locais, uma autonomia imprópria para aquilo que o Império Carolíngio “centralizado” havia planejado. Esses “chefes” locais, senhores, conquistaram uma camada de vassalos submissos às posses de terra concedidas diretamente pelo rei. Tal controle de território regional favoreceu a uma fragmentação do império idealizado por Carlos Magno.
No modelo de império, de poder regionalizado, a camada trabalhadora se fundiu em termos jurídicos. Camponeses livres e escravos tornaram-se uma só classe, os servos. Esta homogeneização é proveniente de uma debilidade na mão-de-obra, em que a opção para o trabalho agrícola passou a ser o refúgio necessário, a situação precária (pestes e fome) em larga escala que vinha sofrendo o continente europeu. Assim como, tal fusão beneficiava em meios administrativos o estabelecimento da política de soberania e vassalagem ao cobrar os tributos da massa servil.
Um fragmento do texto de Sonia Regina de Mendonça que comprova tais argumentos:
“O deterioramento da condição social do homem livre e o abrandamento da do escravo levaram à fusão desses grupos numa só categoria de dependentes, cuja heterogeneidade jurídica anulava-se diante dos imperativos de uma vida material uniforme. O próprio termo colonus desapareceu dos textos do século IX, substituído pelo uso vulgarizado da palavra servus.” (Pág. 46).

A obra política de Carlos Magno, não se deteve apenas à reestruturação do Estado (analisado anteriormente). Ela também se estendeu à Igreja, resultando numa herança cultural que ultrapassaria a curta duração do império “unificado” (771-843). Procurando transformar a fé no alicerce de coesão de seu vasto território, o soberano preocupou-se em restaurar a hierarquia da Igreja, regulamentar os seus bens e reforçar seu papel cultural.
Ao se fazer um balanço das contribuições no ponto vista político, os carolíngios contribuíram a “perpetuação do príncipe monárquico”, segundo MENDONÇA, Além de inserir a “sagração” (tornar divino) como fundamento do poder real. Tal herança perdurou, como a própria autora cita, até a Revolução Francesa. No aspecto administrativo visando um sistema padrão, o período carolíngio acrescentou essencialmente por ter servido de marco para o início da história do feudalismo ocidental.