Introdução
Na ascensão de Vargas ao poder da nação brasileira, a sociedade baiana toma um rumo em defesa de seus interesses políticos e econômicos. O historiador Paulo Santos Silva retrata em seu livro “Âncoras de tradição: luta política, intelectuais e construção do discurso histórico na Bahia (1930-1949)”, uma análise da historiografia baiana baseada nos conflitos de interesse políticos da ameaçada elite local. O livro destina-se à comunidade de estudos da escrita histórica baiana. O autor possui um alto grau de conhecimento no assunto quando analisado que suas últimas obras possuem o mesmo foco de caráter político seja ele nacional ou regional.
Segundo Silva, a intelectualidade baiana na década de 1930 estava voltada para a vida política. Diante do contexto nacional, havia a necessidade de ênfase nesse tema, visto que eram as vontades da oligarquia local que estavam sendo defendidas. O interesse primordial da elite era que se mantivesse a forma de governo vigente, a oligarquia rural, esta estava sendo duramente atacada pelo governo Vargas, que não queria que a Bahia tivesse autonomia política. Para a defesa de tais interesses, criou-se a Concentração Autonomista da Bahia, que tinha como chapa: “A Bahia ainda é a Bahia”. Este movimento autonomista tinha como objetivo a crítica e oposição ao “estado varguista”.
As fontes que respaldam o argumento do autor são jornais e revistas da época, assim como outros periódicos surgidos posteriormente, mas que trazem informações sobre o período que viabilizam a reconstituição das atividades políticas e intelectuais dos liberais baianos na figura da elite regional. Podemos citar como exemplo as revistas da sociedade intelectual da época, como: A Revista do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia (RIGHB) e a Revista da Academia de Letras da Bahia (RALB).
Como cita o autor, os jornais foram empregados como fontes para a reconstituição factual e como local de observação onde se constata a atuante presença dos intelectuais do período. É válida a ressalva que os jornais utilizados como bibliografia eram instrumentos de difusão política, o que deixa as suas informações com caráter de parcialidade informativa, visto que suas contribuições para a obra devem ser rigorosamente analisadas para que se possa discernir o conteúdo apresentado, para não cometer a decidia de uma leitura partidária.
De acordo com o autor, a historiografia baiana correspondente ao período é débil, por esse motivo, o livro não passa de uma breve análise da sociedade local. Essa apreciação divide-se em três partes: na primeira parte há uma reconstituição do cenário político baiano na década de 1930, e como os grupos dirigentes locais se posicionaram diante disso; na segunda parte, o autor constrói um painel intelectual da época, as escolas, tanto de nível médio, quanto superior, de formação dos seus membros, e as influências destas em toda a história; a terceira parte trata sobre o mesmo tema da primeira, mas sob o ângulo da produção intelectual. O autor mostra como esta produção interferiu no processo político, e como a resistência à hegemonia nacional teve duas vertentes, a militância político-partidária e a produção intelectual historiográfica.
Primeira parte
Nesta etapa do livro, o autor focaliza seus estudos na estruturação das organizações partidárias no cenário político baiano contra os ideais nacionalistas de Getúlio Vargas. Esta comoção de caráter regionalista é motivada pela inquietude da elite local que teve seus privilégios ameaçados frente à decisão de Vargas em instaurar a política de interventores nos estados brasileiros. Para a Bahia nomeou-se Juraci Magalhães, o ideal desta política, era manter a Bahia sobre constante controle do Estado. Em seu discurso de posse, Juraci afirma:
“(...) que a acolhida que lhe davam na Bahia significava a derrota dos interesses regionalistas e a vitória do sentimento de unidade nacional. Proclamação que procurava não reconhecer a força dos grupos locais e que registrava, por antecipação, uma vitória da nacionalidade sobre a regionalidade.” (p.29)
Como frente de oposição cria-se a Concentração Autonomista da Bahia. Neste agrupamento, desenvolvem-se alianças políticas entre grupos da elite baiana, que ate então eram rivais, para defender os costumes da tradição política local. O autonomismo baiano detinha como seus defensores personalidades da política regional: J.J. Seabra, Otávio Mangabeira, João Mangabeira, Nestor Duarte, assim como outros intelectuais politizados. Ao se referir à organização do texto, e o sentido que ele visa apresentar, o autor encontra uma dificuldade que qualquer historiador dedicado a analise dos trâmites políticos se depara, exemplo disso é o retorno excessivo de informações para reconhecimento dos políticos a cada partido ou ideologia que compartilhem.
Segunda Parte
Nesta passagem do livro, o autor busca demonstrar o caminho percorrido para a formação intelectual politizada, onde os jovens principiantes nesta área tinham poucas opções para começar tal carreira. A Faculdade de Medicina e a Faculdade de Direito eram as principais formadoras de opinião para esses que iniciavam sua jornada rumo à camada dirigente da nação. Com essas instituições, o aluno era enriquecido não só com informações especificas, mas também obtinha conhecimento nas áreas das humanidades e letras, o que favorecia o seu poder de análise crítica diante de diversos temas. Tais atribuições favoreciam sua melhor qualificação para adentrar ao meio político.
Aos recém-saídos da comunidade acadêmica era certa a sua entrada no campo jornalístico, para que assim eles pudessem não só demonstrar suas produções intelectuais, assim como iniciar seus contatos políticos. Como comprova o autor:
“Para garantir a subsistência, os intelectuais das décadas iniciais do século XX abrigavam-se no serviço publico, no magistério publico e privado e nas profissões liberais, notadamente médicas e jurídicas, traço que caracterizou o conjunto da vida intelectual do país no período.” (p. 88)
Para a promoção da sociedade intelectual foram formadas três grandes instituições de estudos aplicados a valorização do estado baiano, podemos citar a Faculdade Livre de Direito da Bahia a qual deu sustentação jurídica a oposição a Vargas; havia também o Instituto Geográfico e Histórico da Bahia, que se detinha, como cita o autor, na figura da “fábrica da memória local”; e a Academia de Letras da Bahia responsável pelas produções literárias e artísticas de punho critico ao Estado varguista.
Terceira parte
Trata-se das obras intelectuais dos “grandes homens” baianos. Esses livros marcam a historiografia baiana, descrevendo as resistências ao Estado Novo, através deles depreende-se o sentimento nacionalista que tomava conta da Bahia.
Observa-se o caráter positivista desta historiografia em diversos aspectos como diz o autor:
“(...) na noção de documentos (escritos de preferência), na narrativa (baseada na sucessão dos acontecimentos), no critério de estabelecimento dos marcos cronológicos (sempre os fatos políticos como referência). Mas o que efetivamente a singulariza (...) é a ausência de problematização, seja quanto as fontes, seja quanto aos temas.”
As biografias das grandes personalidades políticas baianas que se destacavam no cenário brasileiro eram utilizadas para ressaltar o valor histórico da Bahia, na idéia de se fazer menção aos feitos políticos de cada um desses personagens, era descartado a sua vida pessoal e vangloriado sua participação social. O importante era mencionar o que este homem público contribuiu para a sociedade e reafirmar as suas origens como objeto de orgulho para as demais figuras públicas.
Há que se destacar também a tentativa de “mudança” do passado, no que diz respeito à época de escravidão na Bahia. Estes autores, afirmavam em seus textos que foi uma convivência pacífica, e que a culpa da má sorte dos africanos era por causa dos traficantes, e não de quem os comprava. Tentavam modificar isso, para não denegrir a imagem baiana diante do cenário político.
Conclusão
Uma grande observação a ser mencionada é a de que o autor consegue realizar com sucesso o seu principal objetivo, a análise da historiografia baiana no período de 1930-1949. Apesar das contradições da narrativa política, que é uma debilidade que afeta a qualquer texto que se pré-disponha a abordar este tema, o historiador baiano sinaliza muito bem as coligações partidárias e seus interesses. O que é o fator principal para uma interpretação mais clara dos trâmites sejam eles do legislativo ou do executivo na época citada. Para caráter avaliativo, o texto é um perfeito exemplo de como a história pode ser utilizada para proveitos particulares de grupos dominantes.